A alostase social descreve como o cérebro e o corpo humanos não apenas regulam recursos fisiológicos internamente, mas dependem de regulação social – interações, vínculos e contextos relacionais – para antecipar, gerir e manter a estabilidade fisiológica e cognitiva. Em vez de reagir apenas a desequilíbrios, o organismo usa relações sociais para prever e acomodar demandas futuras.
A discussão sobre alostase – o processo de antecipar e regular as demandas fisiológicas para manter a adaptabilidade – remonta às ciências da fisiologia e da neurociência (por exemplo o trabalho de Peter Sterling) e foi ampliada em contextos de psicologia e neurociência afetiva. A pesquisadora Lisa Feldman Barrett, psicóloga e neurocientista, trabalha amplamente com modelos de emoção construída, interocepção e regulação corpo-cerebral.
Em 2017, Barrett e colegas publicaram o artigo “Social regulation of allostasis: Commentary on “Mentalizing homeostasis: The social origins of interoceptive inference”” (Atzil & Barrett) que explora explicitamente como o contexto social molda o desenvolvimento da regulação alostática. Esse ensaio defende que, desde a infância, os vínculos de cuidado – sociedades, pares, cuidadores – são fundamentais não só para manter a homeostase, mas para desenvolver a capacidade neural de antecipação e regulação eficaz. Assim, a alostase social se insere na confluência de neurociência social, regulação corporal e psicologia do desenvolvimento, destacando-se como ponte entre fisiologia e vida social.
A lógica da alostase social pode ser descrita em vários níveis:
Base fisiológica de alostase: o organismo antecipa necessidades (energia, oxigénio, glicose, temperatura, equilíbrio hídrico, etc.) e regula sistemas viscerais/autonómicos para responder antes que ocorra um desequilíbrio. A ciência descreve isso como regulação preditiva – o cérebro cria modelos internos para minimizar o “erro de previsão” entre o que está a acontecer e o que vai acontecer.
Interocepção e sensação corporal: Sensações internas (interocepção) fornecem ao cérebro dados sobre o estado do corpo; esse processamento interno ajuda a moldar as previsões alostáticas.
Regulação social: A novidade da alostase social é considerar que, especialmente nos humanos (e em outras espécies sociais), muitas dessas previsões e regulações dependem de contextos e interações sociais – cuidadores que ajudam a regular o bebê, pares que modulam o stress, cultura e práticas sociais que moldam o corpo e mente.
Desenvolvimento cognitivo e conceitual: A alostase social implica que o indivíduo não nasce com módulos fixos de regulação, mas, em interações sociais – o cérebro aprende como regular o corpo e a mente, criando conceitos internos de sensação, afeto e regulação que se baseiam na história social.
Dinâmica adaptativa: Em situação social dinâmica, o organismo ajusta não só sua regulação fisiológica, mas sua sensibilidade ao ambiente social e a própria rede de suporte social — por exemplo, stress crônico, isolamento social ou suporte social insuficiente implicam falhas alostáticas que se refletem em saúde mental/física. A alostase social realça que a regulação corporal depende da regulação social integrada.
Assim, a teoria funciona como um sistema em que: o cérebro prevê necessidades internas e externas → regula o corpo (sistemas autonômicos, hormonais, imunes) → utiliza feedback de interocepção e exterocepção → incorpora experiências sociais (vínculos, cultura, regulação externa) → adapta o modelo de previsão/regulação para futuras demandas.
A regulação social fornece recursos externos de estabilidade, aprendizagem de regulação e construção de conceitos de self e corpo. Quando esse sistema falha ou fica sobrecarregado, surgem problemas – excesso de carga alostática, doenças crônicas, perturbações cognitivas ou afetivas.
Intervenção em saúde mental e psicoterapia: A alostase social sugere que o isolamento social, falta de suporte ou vínculos perturbados impactam diretamente na regulação fisiológica do indivíduo. Em terapia, isso significa que não basta focar apenas no “pensamento” ou “emoção”, mas considerar o contexto social, os vínculos e a regulação somática. Por exemplo, programas de tratamento para depressão ou stress poderiam incorporar regulação corporal (respiração, ritmo, interocepção) e restabelecer vínculos de cuidado/apoio para aliviar a carga alostática.
Desenvolvimento infantil e vínculo de apego: No contexto da criança, a teoria ajuda a entender como o cuidador regula não só o corpo da criança (temperatura, alimentação), mas também o cérebro dela – ajudando a calibrar a alostase social do bebê. Assim, intervenções precoces que promovam cuidado consistente, presença interativa e regulação corporal externa fortalecem a capacidade neuronal de regulação alostática posteriormente.
Políticas de saúde pública e redes sociais: Em vista de que a regulação fisiológica depende de redes sociais, a teoria incentiva políticas que promovam coesão social, suporte comunitário, redução de isolamento e estigma. Em epidemiologia, a “carga alostática social” pode ser usada para prever vulnerabilidade à doença em populações socialmente vulneráveis (por exemplo, pobreza, discriminação, violência).
Inteligência artificial cognitiva e robótica social: Aplicando a alostase social em IA ou robôs sociais, podemos modelar agentes que não apenas regulam internamente, mas usam interações sociais – ajuda, cooperação, feedback social – para antecipar, regular e adaptar seus estados internos. Isso alinha com metodologias de “espelhos cognitivos” ou agentes que aprendem em contextos sociais colaborativos.
No âmbito do Thinking Lab, que trabalha com modelagem cognitiva, engenharia de software conceituais e espelhos cognitivos, a teoria da alostase social oferece um fundamento robusto para entender como mentes – humanas ou artificiais – não operam isoladamente, mas em rede, em contexto social e corporal.
A alostase social enfatiza que o agente cognitivo age não apenas internamente (processamento, inferência), mas depende/integra regulação social para antecipar e adaptar estados. Isso alinha diretamente com a criação de softwares conceituais que simulam agentes em interação social e espelhos cognitivos que consideram redes de agentes, feedback social e regulação mútua.
Atzil, S., & Barrett, L. F. (2017). “Social regulation of allostasis.”Neuropsychoanalysis, 19(1), 29–33.
(Documento central onde Barrett articula explicitamente a noção de alostase social.)
Fotopoulou, A., & Tsakiris, M. (2017). “Mentalising homeostasis: The social origins of interoceptive inference.”Neuropsychoanalysis, 19(1), 3–28.
(Artigo que fundamenta a tese de que interocepção e regulação corporal têm raízes sociais.)
Sterling, P. (2012). “Allostasis: A model of predictive regulation.” Physiology & Behavior, 106(1), 5–15.
(Base original da alostase, essencial para entender sua extensão social.)
Barrett, L. F., & Simmons, W. K. (2015). “Interoceptive predictions in the brain.” Nature Reviews Neuroscience, 16, 419–429.
(Fundamento neurocientífico sobre previsão interoceptiva, suporte direto à alostase social.)
Atzil, S., Gao, W., Fradkin, I., & Barrett, L. F. (2018). “Growing a social brain.” Nature Human Behaviour, 2, 624–636.
(Evidência de que o cérebro se desenvolve em contextos de regulação social.)
A alostase social desafia uma visão reduzida da mente como sistema autossuficiente de processamento de estímulos, propondo que a regulação corporal e cognitiva depende intrinsecamente de interações sociais, vínculos e ambiente coletivo. Essa teoria abre portas para repensar: a mente não é só produto do cérebro dentro do crânio – é moldada, mantida e ajustada pelo tecido social.
Na era da IA cognitiva, isso implica que agentes inteligentes terão de considerar não só sensores, algoritmos e demandas internas, mas “rede de cooperação”, “cuidado mutuo” e “regulação social” como parte da arquitetura. Em termos filosóficos, a alostase social nos faz questionar certezas sobre autonomia, individualismo, agência isolada. E em termos práticos, inspira-nos a criar sistemas cognitivos que não apenas reagem ao ambiente, mas antecipam e se regulam coletivamente.
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